A produção de conteúdo em movimento, seja em TV ou cinema, baseia-se na capacidade do cérebro humano de fundir imagens isoladas, não registrando trechos sem luz (ausência de informação, quando uma imagem é trocada pela seguinte) somada a um fenômeno de latência (persistência) dessas imagens na retina.

Nesse processo, a persistência da retina é pouco significativa, ou seja, não é ela sozinha que explica como vemos imagens em movimento no cinema - como afirmava-se até alguns anos atrás. Hoje em dia sabe-se que o principal responsável por essa ilusão é o fenômeno de fusão das imagens feita pelo cérebro (phy phenomena) quando este ignora os trechos sem luz, cujo tempo total, a cada mudança de quadro, é superior ao tempo de persistência da retina.

Deixando de lado a análise de como ocorre o fenômeno, sabe-se que a partir de certa frequência na alternância dos estados "com imagem" / "sem imagem" passamos a perceber um clarão contínuo, sem interrupções (piscadas = flicker). Esta frequência, conhecida desde os tempos de Edison é de 48 imagens/ seg..

No entanto, também deste os tempos da criação do cinema sabia-se ser economicamente inviável tal cadência nas imagens (custo), além de que os próprios negativos não eram suficientemente rápidos para permitir o registro com qualidade das imagens nessa velocidade.

Diversos aperfeiçoamentos foram empregados ao longo do tempo, tendo-se aumentado gradativamente a cadência de captura para 24qps (através de diversas experiências e com o objetivo final de dar qualidade no áudio registrado na própria película - som óptico) e a de projeção para 48qps (eliminando o flicker).

Cadência de projeção 48qps? Como? Projetando 2x cada quadro, esse o segredo. Os mesmos 24qps são projetados em 1 segundo, mas com essa repetição tem-se a cadência de 48qps - na verdade são duas repetições de cada quadro.

Qual então a proposta de Peter Jackson ao filmar a 48qps ao invés de a 24qps? Nada a ver com o flicker, bem resolvido com a técnica atual explicada acima. A questão é que, além de eliminar o flicker, os 48qps permitem ver fluidez nos movimentos nas imagens, sem os tradicionais "batimentos" nos movimentos - fluidez que vemos no vídeo a 60qps por exemplo. Mas o cinema desde quase sempre firmou a "estética" desse tipo de imagem, contrastada com a imagem realista mostrada em um programa de TV ao vivo e seus 60 campos entrelaçados/seg. por exemplo.

Filmar e exibir a 48qps elimina essa estética e o filme não se parece mais filme, como estamos acostumados a ver. Ganha realismo, ainda mais ressaltado quando em 3D. Obviamente Peter não escolheu 48 (2x 24) por acaso (e não 60 por exemplo), para, entre outros motivos, fácil conversão para o 24 tradicional e daí para TV, etc... processo mais do que consolidado hoje.

Essa técnica nova pode e deve ser vista mais como uma opção de captura do que uma revolução no cinema como alguns dizem - nada a ver com um separador de águas. Ademais, as opiniões já dividem-se, com bom número de defensores dos "defeitos" do cinema 24qps, algo cultural no desejo de manter a tradição... Questão de opinião pessoal... mas se o objetivo do cinema é levar o espectador para um mundo de ilusão - em sua maioria das obras - por quê não conferir mais realidade a essa sensação? Pode-se também argumentar que uma janela aberta para o mundo real, como alguns descrevem no que se transforma a tela, facilita ainda mais a imersão do espectador na história.

Por outro lado, essa imersão ocorre já hoje, assim que inicia-se um bom filme, desses que prendem a atenção de quem assiste, mesmo em uma pequena e acanhada tela "2D"... Ficam abertas as discussões..