Os anúncios insistem: "widescreen, a TV com tela de cinema". Para você, a associação é imediata, afinal, a maioria de nós está acostumada a ir ao cinema e assistir imagens proporcionalmente bem mais largas do que as que vemos a partir do sofá da sala. Além disso, ainda que você não tenha um aparelho de TV do tipo tela larga, provavelmente já alugou algum DVD ou mesmo fita de vídeo com imagens deste tipo, que são exibidas com duas barras pretas, acima e abaixo da imagem. Ou então já viu algum comercial na TV com essa configuração de barras pretas. A idéia, com a chegada da TV de alta definição, é aproximar o formato dos aparelhos atuais, algo 'quadrado', para algo próximo ao formato dos filmes que vemos no cinema. Mas... de onde surgiram esses padrões de formatos?

Antes que a televisão fosse inventada nossos avós já davam gargalhadas com as estórias vivenciadas por Charles Chaplin no papel de Carlitos: o cinema é anterior à televisão. Quando esta surgiu, já existia uma quantidade enorme de filmes, registrados todos eles em películas nas quais a proporção da imagem no fotograma era 4:3 (quatro unidades de largura por três de altura, ou 1,33:1 se dividirmos 4 por 3). Esta proporção, criada por Thomas Edson ainda na época do cinema mudo, foi adotada como padrão em 1932 pela Academy of Motion Pictures Arts and Sciences e passou a ser conhecida como Academy Aspect Ratio. Quando a TV foi criada, definiu-se que o tamanho de sua tela deveria ser também 4:3, para que pudesse exibir os filmes até então existentes: nascia assim o formato atual 'quase quadrado' das TVs das nossas salas.

Mas esse 'casamento' entre cinema e TV iria terminar a partir da década de 50. No ano de 1953 a 20th Century Fox lançava o filme bíblico "The Robe" e com ele uma revolucionária técnica denominada CinemaScope. A imagem exibida nas telas dos cinemas aumentava em largura. Uma lente especial, denominada anamórfica (que quer dizer 'sem forma', 'deformado'), encolhia a imagem, comprimindo-a horizontalmente no negativo de 35mm durante a filmagem. Posteriormente, no momento da exibição, uma lente inversa fazia a descompressão, gerando uma imagem na proporção de 2,55:1 . A sensação para quem estava dentro do cinema era próxima a de estar também 'dentro' da imagem: via-se muito mais paisagem, cenários e pessoas do que no antigo e acanhado formato 4:3. O nome anamórfico, derivado do tipo de lente utilizado, passou a ser utilizado também para denominar este processo de obtenção de imagens.

O formato de filmes que utilizam compressão da imagem é denominado Anamorphic Widescreen Format.

Outros formatos anamórficos, utilizando diferentes proporções se seguiram desde aquele primeiro filme, onde cada estúdio ou empresa procurava criar sua própria versão de tela larga, como o Panavision (2,40:1), Ultra Panavision 70 (2,76:1), Super Panavision 70 (2,20:1), VistaVision (1,85:1), Todd-AO (2,35:1), Technirama (também 2,35:1) e outros. Em alguns desses formatos, a película utilizada não era de 35mm e sim de 70mm. A maioria dessas experiências acabou tendo vida curta e hoje em dia o processo anamórfico mais utilizado é o Panavision.

Nem sempre, no entanto, é utilizada compressão para se registrar imagens mais largas no negativo de 35mm. Se você está pensando que todos os filmes de tela larga que você assiste no cinema são assim errou. Sim, uma parcela das produções atuais opta pelo processo anamórfico, como o Kamchatka argentino por exemplo. Mas por vários motivos, entre eles o barateamento e flexibilidade entre os diversos meios de exibição, o processo mais utilizado hoje em dia é o Flat Widescreen Format. Neste processo a imagem não é comprimida: o efeito de tela larga é conseguido considerando-se que apenas uma faixa horizontal do fotograma será exibida. Explicando melhor: no momento da filmagem, coloca-se na câmera uma máscara que acrescenta faixas horizontais no topo e na base do fotograma de 35mm, fazendo com que a imagem registrada no centro fique mais larga. As partes encobertas não são utilizadas. Como variação, a máscara pode não ser colocada na câmera e sim impressa nos fotogramas no laboratório, no momento da revelação.

Mas a vida não é tão simples e existe ainda outra variação deste processo, onde máscara nenhuma é colocada durante a produção do filme, ficando isso por conta do sempre atencioso projecionista do cinema. Claro que existem exceções à regra, e claro que você acaba também de descobrir porque já ouviu falar de gente que viu os microfones utilizados na filmagem, geralmente colocados bem acima dos atores, aparecendo durante o filme: tratava-se de um filme registrado nesse processo (sem máscara) projetado sem a máscara correta no projetor...

No processo Flat Widescreen Format a proporção utilizada não é tão larga como no Panavision, aliás, existe mais de uma proporção em uso, a proporção 1,85:1 (mais larga, utilizada geralmente no cinema americano) e a proporção 1,66:1 (mais estreita utilizada geralmente no cinema europeu). Da próxima vez que você for ao cinema, repare que a área projetada em relação à tela disponível ou é bem estreita (traillers ou comerciais no formato padrão 35mm 4:3 e, ok, como na TV, os produtores colocam também às vezes aquelas famosas faixas em cima e em baixo....), ou um pouco mais larga (1,66:1), ou mais larga ainda (1,85:1) ou ocupa toda a tela (2,40:1 do Panavision ou de um outro formato visto mais adiante).

Mas o pessoal do cinema anda às vezes também com um olho na TV: surgiu assim o formato Super35. Este também é um formato não anamórfico, do tipo Flat Widescreen como os acima citados, e do tipo que não usa máscara na câmera nem no laboratório. A proporção considerada para o cinema é mais larga do que a 1,85:1, ficando próxima do Panavision: 2,35:1. Mas porquê 'considerada para o cinema'? Porque aqui está a diferença: o diretor filma pensando nesse enquadramento, mas também pensando no enquadramento no fotograma cheio, na proporção 1,33:1 da tela comum de TV. Como o filme é registrado com os dois enquadramentos ao mesmo tempo, aparecerá na TV mais conteúdo acima e abaixo da tela e no cinema mais conteúdo à esquerda e à direita.

Como você percebeu, filmes e mais filmes são captados utilizando uma variação grande de proporção de tela. Quando as imagens desses filmes são mostradas na tela de uma TV tradicional, desejando-se manter a mesma proporção com que foram captadas para cinema, torna-se necessário reduzi-las para que caibam na tela. Através de um processo denominado Widescreen ou Letterbox (já viu isso escrito na capa de um DVD ou fita de vídeo?), a parte superior e inferior da tela deixam de ser utilizadas; em seu lugar, são colocadas faixas, na cor preta (para melhor contraste) chamadas black bars. Muitas vezes a faixa inferior é aproveitada para a colocação de legendas. O tamanho das faixas varia com o tamanho da imagem: quando mais larga a imagem no fotograma maiores serão as dimensões das barras pretas e menor será a altura da imagem (em outras palavras, a imagem estará menos ampliada).

E as TVs de tela larga? Convencionou-se que elas seriam fabricadas na proporção 16:9 porque esta é a proporção a ser utilizada nos futuros sistemas de TV de alta definição, a chamada HDTV. Quando esses filmes são mostrados na tela dessas TVs, ainda assim, conforme o formato utilizado, serão necessárias faixas pretas horizontais. Mas estes aparelhos são 'espertos' e possuem uma opção chamada stretch, que distorce levemente a imagem (em alguns casos você pode até não perceber se não comparar com a original) esticando-a verticalmente para que caiba na tela. Alguns filmes no formato 1,85:1 / 1,66:1 são distribuídos em DVD já artificialmente distorcidos (esticados) para a proporção 16:9, processo denominado "16:9 Enhanced".

Assim, TVs de tela larga não possuem "formato de cinema", uma vez que são vários os formatos utilizados em cinema e nenhum deles na proporção 16:9 (Jurassic Park e Batman Forever, por exemplo, utilizam a proporção 1,85:1 - padrão americano - e Terminator 2 e Stargate utilizam 2,35:1 - CinemaScope).

Quando estas imagens são mostradas na tela de uma TV tradicional e deseja-se ocupar todo o espaço da tela com a imagem (fullscreen), torna-se necessário cortar a mesma lateralmente, para que caiba na tela. Neste processo, denominado pan scan, um editor analisa o filme take a take em um equipamento que faz a copiagem da película e que dispõe de uma "janela" que pode ser deslocada para a esquerda ou para a direita, através da qual pode ser decidida qual parte do fotograma será cortada. Em média, estes cortes chegam, conforme o formato original, a eliminar de 20% a 44% do que foi exibido na versão para cinema.

Em situações por exemplo onde existam dois personagens dialogando, um em cada canto da imagem, o editor de pan scan terá que optar por mostrar apenas um deles. Entre as desvantagens deste processo, além da perda da visualização de imagens e personagens (com o consequente desequilíbrio do enquadramento e a alteração do espaço físico da cena), estão a perda na percepção de movimento em cenas de ação (quando um pedaço da espada movimentada pelo lutador não aparece por exemplo) e a perda de impacto visual em cenas de simetria (em uma cena de fileiras de soldados marchando por exemplo, à esquerda e à direita da imagem - muitas vezes neste caso o editor de pan scan pode tentar deslocar a "janela" de um lado para outro, se houver, tempo disponível na tomada).

Alguns exemplos de filmes e processos utilizados:

Widescreen não anamórficos:

- Evil Dead II (1987, s/ máscara)

- Shrek (2001, c/ máscara)

- Titanic (1997, Super35)

Widescreen anamórficos:

- Anastasia (1997, Panavision)

- Vida de Inseto (1998, CinemaScope)

- 2001: Uma odisséia no espaço (1968, Super Panavision 70)

- Ben Hur (1959, Ultra Panavision 70)

- Os 10 Mandamentos (1956, VistaVision)

- Cleópatra (1963, Todd-AO)

- Spartacus (1960, Technirama)

Academy:

- Casablanca (1943)

O nome "Panavision" tornou-se também o nome da empresa fabricante de câmeras e lentes para cinema, nem sempre no processo anamórfico. Por isso, quando ao final de um filme você ler nos créditos os dizeres "Filmed with Panavision" isso significa que a película foi gravada utilizando câmeras e lentes desta empresa e o processo não é anamórfico. Por outro lado, se os dizeres forem "Filmed in Panavision", o processo é anamórfico. The End.