O juiz apita o final do primeiro tempo. O jogo segue empatado. Jogadores descem para o vestiário. Alguns ainda ficam retidos em campo, entrevistados por repórteres pedindo explicações pelo mau desempenho. Ali, mais em baixo, perto dos vestiários mas longe do alcance da visão do impaciente público na arquibancada, no interior de uma pequena sala, um apressado funcionário finaliza a revelação de uma película cinematográfica de 16mm. Não há tempo para gerar ao menos uma cópia do resultado dessa revelação: será o próprio negativo revelado que será utilizado... para mostrar, pela TV, ao vivo, os melhores lances da partida que acaba de ter seu primeiro tempo encerrado.

Durante os 45 minutos do jogo - 3 de acréscimos - um cinegrafista com sua Pallaid Bolex buscou incessantemente captar cada momento mais empolgante do jogo. Estamos em uma época em que a TV transmitia as partidas ao vivo, porém ainda não havia gravador de vídeo, videotape nem o consagrado replay...

Mas haviam sim os melhores momentos, mostrados durante o intervalo. Naqueles preciosos minutos o zeloso funcionário colocava o negativo recém revelado em uma máquina de telecine, cuja imagem era captada por uma câmera ajustada para mostrar o P&B de maneira invertida, solucionado assim o problema de exibir ali o próprio negativo.

Essa epopéia começou a ter seu final vislumbrado no horizonte quando os primeiros aparelhos de videotape foram criados. Essas máquinas, verdadeiros monstros perto da miniaturização presente em nosso século, eram fixas, do tamanho de um armário de escritório e trabalhavam com fitas em carretéis de 2 polegadas de largura (pouco mais de 5 centímetros!). Não por acaso, o sistema ficou conhecido como sistema de "2 polegadas".

Criado pela Ampex em 1956, esse sistema foi utilizado na década de 60 em estúdios de TV para pré-gravação e arquivo dos programas transmitidos. Na década seguinte caiu em desuso, quando a mesma Ampex comercializava com sucesso suas novas máquinas, que trabalhavam com fitas em carretéis de "apenas" 1 polegada de largura - 2,54 cm...).

Nessa época, embora já existisse o videotape, sua edição ainda engatinhava, frente às moviolas precisas do mundo do cinema. Isto porque, enquanto no cinema um corte seco era efetivamente traduzido por uma lâmina atravessando de lado a lado a película, nas fitas de vídeo o processo simplesmente não funcionava. Era preciso "enxergar" precisamente onde terminava um quadro e iniciava-se outro, para que o corte não produzisse uma instabilidade na junção das imagens. O problema, fácil de ser resolvido em cinema - bastava procurar visualmente o limite entre um fotograma e o próximo - era praticamente impossível em vídeo, pois as trilhas magnéticas são invisíveis. Ou...... quase.

Nos primeiros formatos de vídeo, as trilhas não eram dispostas inclinadas diagonalmente na fita como são hoje (em um processo de leitura e gravação denominado helical scan) e sim verticalmente, uma ao lado da outra. As cabeças de leitura / gravação giravam perpendicularmente ao movimento da fita. E a edição passou a ser mais precisa, sem os pulos das primeiras emendas feitas aleatoriamente, quando os editores descobriram o truque da limalha de ferro. Um pó finíssimo de ferro, dissolvido em um líquido que evaporava-se rapidamente, era espalhado sobre a fita no trecho em que o corte deveria ser feito. Poucos segundos depois, quando o solvente tinha evaporado-se completamente, era possível observar por intermédio de um pequeno microscópio as trilhas dispostas na fita: o pó era atraído para as faixas magnetizadas pela cabeça de gravação. Pois ali mesmo no microscópio havia uma lâmina acoplada, através da qual a fita podia ser cortada precisamente entre uma trilha e outra, no ponto de mudança de quadro, após contagem e identificação das trilhas feita manualmente. Outro corte mais adiante e pronto, bastava agora colar um adesivo juntando por trás as partes A e B da fita. Simples assim...

Voltamos ao nosso jogo, ainda no intervalo. Terminará empatado? Talvez... mas esse não era o desejo de duas empresas, a Sony e a JVC, nos anos finais da década de 70. Esse outro jogo havia começado em 1970, com a criação de um formato de fita mais estreito do que a usual, de 1 polegada: 3/4 polegada, ou cerca de 20mm de largura. Denominado U-Matic, foi o primeiro formato cuja fita ficava em estojos do tipo cassete, ao invés de rolos. Nessa época, a Sony era líder na fabricação de equipamentos nesse formato. E a mesma Sony criaria, cinco anos mais tarde, o primeiro formato de vídeo desenvolvido para o segmento consumidor, chamado por ela de Betamax, ou, simplesmente, Beta. Utilizava também fita dentro de um cassete, agora ainda mais estreita, com metade da largura de fita dos formatos em rolo: 1/2 polegada (cerca de 13mm).

Um ano mais tarde, em 1976, o jogo começaria a virar, após a JVC licenciar e iniciar a comercialização de um formato desenvolvido pela Matsushita também para o mercado consumidor. Sua fita também tinha 1/2 polegada de largura e também ficava dentro de um cassete, como no formato Betamax. Porém, rodava com menor velocidade do que a fita no sistema Betamax, o que se traduzia em menor qualidade de imagem. Mas essa menor qualidade permitia por outro lado um importante ganho, que fez com que o formato concorrente da Sony fosse pouco a pouco perdendo mercado: a fita VHS podia reter duas horas de gravação. Não por acaso, este é o tamanho típico dos filmes vistos no cinema... nasciam assim os filmes em VHS e as primeiras videolocadoras.

Esse jogo não terminou empatado, ao contrário do nosso jogo: o segundo tempo acaba de ser iniciado e o nosso cinegrafista já está a postos para captar mais imagens para os melhores momentos. E melhores imagens era o que passou a ser buscado pelos fabricantes a partir dali. A competição continuava, ganhando o público com a qualidade, cada vez melhor. Em 1982 a Sony criaria o sistema Betacam, destinado ao uso profissional. O cassete utilizado era semelhante ao antigo Betamax, mas o sinal gravado era muito melhor (do tipo video componentes) e a fita corria com velocidade 6 vezes maior. Com ele, foram introduzidas as primeiras camcorders, junção de camera com recorder, até então equipamentos separados.

Um ano mais tarde a JVC lançava o VHS-C (VHS Compact) para o segmento doméstico, chamando-o inicialmente de VideoMovie. Tratava-se da mesma fita VHS, porém reduzida em comprimento, permitindo a confeção de cassetes - e câmeras - menores. A idéia do "quanto menor melhor" passou a ser perseguida: em 1984 a  Kodak criava o formato 8mm (com fitas dessa largura), lançado no mercado pela Sony em 1985. Como resultado, câmeras ainda mais leves e compactas e com uma vantagem: sem reduzir o tempo de gravação, como no VHS-C.

A busca da melhor imagem continuava também no segmento profissional, assim como no nosso jogo continua ainda o empate sem gols. Em 1987 a Sony criava o Betacam SP, utilizando fitas do tipo MP (Metal Particle) e prometendo imagens melhores. No mesmo ano a JVC abria um novo nicho no mercado, criando um formato destinado ao usuário semi-profissional: o S-VHS. Ao contrário do sinal de vídeo do tipo composto do VHS (brilho e cor misturados em um mesmo sinal), utilizava sinal Y/C (brilho e cor separados), com qualidade muito melhor. O movimento foi acompanhado pela Sony em 1989, com o segundo formato destinado ao segmento semi-profissional: Hi-8. Com 8 mm de largura, o formato também utilizava o mesmo processo de sinal do S-VHS. E antes, em 1987, a versão compacta do S-VHS, o S-VHS-C era lançada pela JVC.

Com o nosso jogo empatado, técnicos dos dois times lançam mão do recurso da substituição. Essa, a palavra mágica: substituir. No caso dos formatos, os analógicos pelos digitais. A digitalização das imagens era estudada já a algum tempo - processos digitais eliminam perdas, facilitam a duplicação dos originais e aumentam em muito a qualidade das imagens obtidas. Alguns formatos experimentais haviam sido testados, como o D1 (ou ITU-R 601), pela Sony, em 1984: sem utilizar compressão, o consumo de fita era muito alto. Seguem-se outros da série "D", como o D2 da Ampex em 1986, o D3 da Panasonic em 1992, o D5 também da Panasonic em 1993 e outros, quando em 1993 surge o Digital Betacam da Sony. Sua imagem de alta qualidade logo tornou-o popular entre os grandes estúdios de TV, substituindo antigos formatos analógicos, como o Betacam SP.

Da série dos "D"s, o formato D9 seria comercializado pela JVC como Digital-S no final dos anos 90. A largura das fitas, até então de 3/4 ou então de 1/2 polegada nesses formatos, sofreria um grande "encolhimento" em 1995: nascia naquele ano o formato DV. Desenvolvido por um consórcio de 10 grandes empresas (Sony, JVC, Panasonic, Phillips, Sharp, Toshiba, Sanyo, Mitsubishi, Thompson e Hitachi), logo faria grande sucesso, tanto no segmento semi-profissional como no doméstico.

A família DV gerou vários descendentes: Mini-DV, Standard-DV, Mini-DVCAM, Standard-DVCAM, Small DVCPRO, Standard-DVCPRO e Digital-8. O sinal gravado em todos eles é o mesmo (DV) e possui a mesma qualidade. No entanto, o suporte utilizado (fita) é diferente: em alguns, mais robusto, destinado ao uso intensivo profissional, como o DVCPRO e o DVCAM. Para uso misto, o Mini-DV e doméstico, o Digital-8.

Mas, ao contrário do nosso jogo, onde o juiz acaba de apitar o seu final, a competição dos formatos avança para novos tempos: o formato HDV proposto em 2003 pela JVC com a adesão posterior da Sony, Sharp e Canon utiliza uma fita Mini-DV para gravar imagens de alta definição, aproveitando os novos aparelhos de TV de alta definição criados para exibição dos sinais da HDTV. O placar do nosso jogo? Empate. Só mesmo assistindo agora ao replay digital para encontrar as possíveis falhas...