Você já ouviu, com certeza um incontável número de vezes, o "clic" emitido pelas câmeras fotográficas tradicionais. Às vezes tímido, quase inaudível, outras mais escandaloso e outras ainda acompanhado do ziiiiiiinn do motorzinho de avanço automático do filme, esse "clic" nada mais é do que o barulho do obturador da câmera funcionando. Elemento básico do processo da fotografia, é ele que determina o tempo que a película fotográfica fica exposta à luz. Mas você sabia que a câmera de vídeo também possui obturador - embora não faça "clic"s?

Na câmera de vídeo o obturador é o dispositivo que controla o tempo que o CCD (o sensor onde as imagens são formadas) deve receber uma determinada quantidade de luz. Nos dois casos, vídeo e fotografia, a principal função do obturador, além de regular a exposição correta, é controlar o efeito de maior ou menor 'congelamento' da imagem em cenas de movimento.

Em um dia ensolarado (e este é um programa muito criativo), peça a alguém para jogar uma bola de tênis para o alto e tente enquadrá-la durante a queda com uma câmera de vídeo ou fotográfica. Considerando-se o fundo azul do céu, a maneira como o movimento da bola caindo será registrado na imagem é controlado pela velocidade do obturador, tanto na câmera fotográfica como na câmera de vídeo. Na câmera fotográfica a luz proveniente das lentes forma a imagem sobre um pedaço da película (fotograma) posicionado atrás das mesmas; na câmera de vídeo o mesmo papel é desempenhado pelo CCD, onde a imagem projetada é lida eletronicamente linha a linha.

Se a velocidade do obturador for extremamente rápida, entre o tempo em que o mesmo é aberto deixando passar a luz e é fechado a seguir interrompendo sua passagem, a bola terá se deslocado muito pouco, sua trajetória praticamente coincidirá com a imagem da bola parada, como se a mesma estivesse congelada no ar.

No entanto, à medida que a velocidade do obturador é diminuída (obturador mais lento = maior tempo aberto = maior tempo em que a imagem é projetada no CCD), um pedaço maior de sua trajetória ficará gravado e a imagem da bola será o conjunto de todos os pontos ocupados pela mesma ao longo de seu movimento, ou, em outras palavras, o conjunto de todos os pixels do CCD sensibilizados durante esse tempo. A figura abaixo ilustra isso, onde, da esquerda para a direita, em cada imagem da bola a velocidade do obturador foi sendo ajustada para um valor cada vez menor (para o exemplo da bola caindo, considere a figura na vertical e não na horizontal como abaixo):

O obturador, assim como na máquina fotográfica, interage diretamente com o diafragma (ou íris): como existe uma quantidade correta de luz x tempo capaz de criar uma imagem corretamente exposta, a relação entre os dois mecanismos é inversa: quanto mais tempo o obturador ficar aberto, mais luz atingirá o CCD, portanto é necessário que o diafragma esteja mais fechado, para compensar a entrada extra de claridade.

No exemplo acima da bola de tênis, como na imagem da esquerda a velocidade do obturador é alta, o CCD recebe menos luz em determinado intervalo de tempo do que nas imagens da direita, onde a velocidade do obturador é mais baixa. Assim, se o diafragma fosse mantido com abertura fixa, a bola e o céu ao fundo apareceriam mais escuros na imagem à esquerda, mais claros na imagem central e ainda mais claros na imagem da direita. Para compensar isto e manter a tonalidade geral na imagem, da esquerda para a direita o diafragma foi sendo fechado cada vez mais, tarefa esta que pode ter opcionalmente controle manual em algumas câmeras, mas geralmente é deixada a cargo do controle automático de exposição.

Ao contrário das máquinas fotográficas tradicionais, onde o obturador é um dispositivo mecânico, com partes móveis que se abrem e fecham rapidamente para expor o filme, na câmera de vídeo, embora o nome seja o mesmo, "obturador" é um dispositivo eletrônico. Na realidade, o que faz o obturador funcionar na câmera de vídeo é uma função eletrônica de 'apagamento': uma corrente elétrica, denominada corrente de purge (apagar) percorre as linhas do CCD um pouco antes do ponto em que o mesmo está sendo lido, e a variação desta distância é que permite o controle de uma menor ou maior exposição do CCD. Como este controle é eletrônico, não possui partes móveis, é possível obter-se velocidades elevadas de obturação (1/10.000 seg. por exemplo), o que permite 'congelar' com facilidade uma imagem em movimento rápido.

A figura abaixo esquematiza o funcionamento do obturador na câmera de vídeo, através da representação simplificada de um CCD:

Cada quadrado no desenho representa um pixel. E cada pixel, individualmente, é um gerador de energia elétrica, que vai sendo armazenada em um acumulador microscópico associado ao mesmo - cada pixel possui o seu. Quanto mais tempo o pixel ficar recebendo luz, maior vai ser a carga acumulada.

De tempos em tempos o circuito eletrônico da câmera varre os acumuladores dos pixels lendo a intensidade da carga acumulada em cada um e transferindo esta informação para fora do CCD - o que se tornará o sinal de vídeo - e apagando (descarregando) o acumulador, para que uma nova leitura atualizada seja feita na próxima vez em que o mesmo for lido.

O processo de leitura é efetuado linearmente - o desenho simplifica o mesmo, omitindo a leitura alternada de linhas pares e ímpares. Na imagem "1" acima, o pixel "a" acabou de ser lido e seu acumulador foi descarregado, o que é representado por uma cor branca no quadrado. O pixel da direita ainda não foi lido, assim como todos os demais à sua direita, o que é representado por uma cor cinza-escuro no quadrado. No exemplo, todos os pixels carregados possuem a mesma tonalidade de cor cinza-escuro para simplificação - em uma situação real alguns estariam mais outros menos carregados, formando a imagem projetada pelas lentes.

Os pixels à esquerda de "a" continuam recebendo luz e seus acumuladores vão sendo novamente carregados, o que é indicado pela cor dos mesmos, cada vez mais escura. Na imagem "2" o processo de varredura já está mais adiantado, agora é o pixel "b" que acabou de ser lido.

Na imagem "3" então aparece a ação do obturador, quando o pixel "c" acaba de ser lido, enquanto, ao mesmo tempo, o pixel "d" é descarregado (purge). Comparando-se com o mesmo pixel no desenho acima, vê-se que o mesmo já possuía certa carga acumulada, que é descartada. O tempo então que o mesmo terá para acumular nova carga é menor do que o seria se não tivesse ocorrido este apagamento. Se ao invés de "d" fosse apagado um pixel mais à sua esquerda, com mais carga, este tempo seria ainda menor.

Ou seja, apagando-se a carga acumulada do pixel em determinado ponto do CCD diminui-se seu tempo de exposição. O processo é estendido a todos os pixels do CCD: o próximo a ser lido é o da direita de "c", o próximo a ser apagado o da direita de "d". Forma-se assim uma 'corrente de apagamento' (corrente de purge) que corre como um apagador em uma lousa na mesma velocidade que o processo de leitura / apagamento dos pixels. Esta corrente pode ser ajustada para correr mais perto do ponto onde a leitura é feita ou mais longe, correspondendo, respectivamente, a um tempo maior ou menor de exposição: tem-se assim o obturador eletrônico da câmera.

A corrente de apagamento só existe no CCD quando se deseja obter velocidades de obturação maiores do que o correspondente a montar 1 quadro completo a cada 1/30 seg, que é a cadência normal de montagem de imagens do sinal de vídeo NTSC. Os quadros continuam a serem lidos e montados com esta frequência (1/30seg.) mas diminui o tempo em que o CCD fica exposto à luz entre cada leitura.

A consequência de se utilizar velocidades maiores do que 1/30 seg. é que os 'rastros' (como no exemplo da bolinha acima) dos movimentos deixarão cada vez mais de aparecer, quanto maior for a velocidade de obturação. E o efeito na imagem em movimento será um deslocamento não uniforme das pessoas e objetos: os movimentos ficarão entrecortados, truncados, lembrando a imagem de pessoas movimentando-se em uma sala iluminada com luz estroboscópica. O efeito especial 'strobe', presente em algumas câmeras, é conseguido dessa forma. Se velocidades altas de obturação retiram a continuidade uniforme dos movimentos, por outro lado permitem, ao se assistir um vídeo gravado dessa maneira, utilizar o botão pause do controle remoto para analisar os movimentos quadro a quadro, com imagem nítida (sem os 'rastros'), efeito utilizado por treinadores em alguns tipos de esporte, como o golfe por exemplo.

É possível também o uso de velocidades menores do que 1/30 seg: neste caso, quando o pixel "a" é lido no CCD, ele é somente lido e não lido e apagado, permanecendo dessa forma por exemplo até a próxima leitura ou ainda a seguinte, quando então é apagado.

A consequência de se utilizar velocidades menores do que 1/30 seg. se traduz principalmente em imagens de movimento: os 'rastros' deixados pelos mesmos ficarão cada vez maiores (o que pode ser utilizado como efeito artístico). A imagem de objetos ou pessoas que se movem ficará borrada, ou então toda cena enquadrada ficará borrada se é a câmera que se move. O controle automático de exposição utiliza velocidades assim, juntamente com máximas aberturas para poder captar cenas em locais onde existe pouquíssima luz.

E é assim, através desse "clic" silencioso, que opera o obturador da câmera de vídeo. Clic.