Para muitos de nós é familiar a inscrição "fósforos de segurança", impressa no rótulo nas caixinhas dos famosos palitos. Significa que, ao contrário do que acontecia décadas atrás, quando os palitos acendiam muitas vezes nas horas "erradas", os palitos atuais só se inflamam se atritados contra a lixa colada do lado de fora da caixinha, que contém uma substância complementar, necessária para que o fogo se produza.

Da mesma forma, para muitos é familiar a inscrição "safety film" impressa nas bordas das películas fotográficas e cinematográficas. E da mesma forma que para o fósforo, aqui "Kodak Safety Film" está indicando que a referida película não irá inflamar-se, nem na hora "errada" nem na "certa"... Isso porque os antigos filmes utilizavam como base flexível, após os anos das bases rígidas de vidro, um composto contendo nitrocelulose. Isso aparentemente não causava nenhum problema: os filmes utilizados em cinema eram expostos normalmente na câmera, depois projetados em diversas sessões e a seguir estocados. Mais tarde podiam ser novamente reprojetados e guardados.

A questão é que descobriu-se, décadas mais tarde, que a nitrocelulose decompunha-se pouco a pouco, e que o resultado dessa decomposição gerava um composto altamente inflamável. Imagine algo como embeber a película em gasolina e colocá-la no projetor, com sua potente lâmpada incandescente... luz.. . calor... e pronto: iniciava-se a corrida ao extintor de incêndio... Quando percebeu-se o problema, centenas e centenas de filmes já haviam sido realizados, requerendo até hoje um trabalho especializado e cuidadoso na tentativa de recuperá-los. Foi então que surgiu o filme de acetato, que trazia a inscrição "Safety Film", ou, "Filme de Segurança"...

Todos esses filmes pertencem à era preto e branco e muitos deles pertencem à era dos filmes mudos. Nessa época - dos filmes mudos - a cadência de projeção era costumeiramente de 16 quadros por segundo, normalmente a mesma utilizada na captura. Normalmente porque não raro o cinegrafista, desejando fazer algum efeito de aceleração ou desaceleração, girava mais lentamente ou mais rapidamente a manivela da sua câmera - sim, estamos falando da época em que as câmera ainda não eram motorizadas. A projeção em velocidade normal (algo que também dependia da regularidade com que o projecionista girava a manivela do projetor) fazia os efeitos de undercrank ou overcrank (de "crank" = manivela), os conhecidos fast motion e slow motion.

Anos mais tarde, conhecido o problema dos filmes de nitrato, não raro os projecionistas recebiam instruções para ajustar a velocidade do projetor (agora já motorizado) para velocidades superiores aos 16qps, para minimizar o risco de inflamar a película: com uma velocidade maior, cada quadro era exposto à concentrada luz da lâmpada do projetor por um tempo menor.

Tudo isso mudou quando surgiu o cinema sonoro: como o som ficava registrado diretamente na película enviada aos cinemas, em um processo óptico de registro das frequências sonoras, era necessário aumentar a cadência de projeção para obter o mínimo de fidelidade acústica, sem no entanto gastar muita película. Essa velocidade foi por esse motivo padronizada em 24qps.

Mas um outro motivo para chegar-se a esse valor foram pesquisas efetuadas com a visão humana, pretendendo eliminar um problema comum nas projeções de até então: apesar do cérebro "fundir" as imagens e o público ver uma continuidade de movimento ao invés de fotografias isoladas passando rapidamente à sua frente, um incômodo piscar na imagem era percebido. Esse "pisco", conhecido tecnicamente como flicker, tornava cansativa a visão de uma sessão longa de cinema.

Descobriu-se então que, de modo geral (há variações), o olho humano não perceberia o flicker se a velocidade fosse aumentada para 48qps. Porém isso era impraticável, devido não só ao custo da película, como a questões relacionadas à sua sensibilidade: para as imagens não ficarem escuras, a sensibilidade teria que ser dobrada. A solução não foi dobrar a sensibilidade e sim a velocidade de projeção nas salas de cinema, sem alterar a cadência de 24qps. Como conseguiu-se isso?

Através de um obturador no projetor que girava mais rápido, combinado com uma forma de se puxar a película alternadamente na janela de projeção. Em outras palavras, projetando 2 vezes a mesma imagem e a seguir mudando para a próxima. Projetar duas vezes a mesma imagem significa que o obturador abre a janela de projeção, depois a esconde, depois abre novamente, depois a esconde e só neste momento o filme é puxado, entrando nessa janela o fotograma seguinte. Tem-se então 48 imagens sendo projetadas, mas continuam passando pelo projetor 24qps.

O problema do flicker estava resolvido - para o cinema. Quando surgiu a televisão, os engenheiros desejavam uma cadência bem alta, superior a 48qps, para eliminar de vez o problema. Devido a questões técnicas de sincronização dos equipamentos entre torre de transmissão e os televisores nas residências, decidiu-se utilizar a frequência de ciclagem da corrente alternada local (60Hz, nos EUA) para controle da cadência de exibição de quadros na televisão. No entanto, 60qps era muita informação para ser levada ao ar, não havia largura de banda de transmissão que suportasse esse volume de dados. Por outro lado, os tubos de imagem CRT possuíam limitações para exibir 60 imagens diferentes por segundo.

A solução, que ao mesmo tempo mantinha o sincronismo com o 60Hz e diminuía pela metade a informação transmitida por segundo, foi "cortar" a imagem pela metade. Na verdade, para disfarçar o efeito na imagem, cada quadro foi "fatiado" em linhas pares e ímpares. O televisor exibia as linhas pares, depois as ímpares, e assim por diante, alternadamente. As linhas entrelaçavam-se umas às outras, e o expectador tinha a noção de fluidez no movimento, ao mesmo tempo que 60 imagens por segundo eliminavam o problema do flicker. Cada uma dessas 60 imagens denomina-se campo, base para o funcionamento do sistema entrelaçado.

O sistema funcionou muito bem durante anos - e ainda funciona, tanto que essa característica (sinal entrelaçado) foi mantida como opção nos formatos HD - High Definition, mais especificamente conhecida como forma 1080i. O número 1080 representa a quantidade de linhas de um quadro, sendo a metade desse número a quantidade de linhas em cada campo. A outra opção é a forma progressiva, algo que o vídeo criou na década de 90 para melhorar a qualidade de suas imagens quando elas tinham que ser congeladas, por exemplo para obtenção de fotos a partir do vídeo. Mais tarde o mesmo processo passou a ser utilizado para efetuar a transferência de imagens de vídeo para películas cinematográficas, entre outros usos.

A TV expandiu-se para outros países, e a questão da ciclagem permaneceu, dando origem a sistemas de 25qps e 50 campos, onde a corrente elétrica funciona em 50Hz. O mesmo acontece com a HDTV e os formatos HD de vídeo: existem versões que funcionam em 30qps e outras, em 25qps. O que leva a termos como "60Hz HD" e "50Hz HD", às vezes incorretamente mencionados como "NTSC HD" e "PAL HD" - os padrões NTSC e PAL são padrões SD - Standard Definition, não HD.

Nos dias de hoje, continuam em cena os fósforos de segurança, mas saem pouco a pouco de cena as películas "Safety Film", substituídas pelo meio de captação digital e pela projeção digital. E é justamente o conteúdo digital que traz a segurança, senão ainda total, cada vez mais, de uma imagem perfeita, livre de problemas de sincronismo e instabilidades. Em termos de quadros/seg, como partiu-se do início, criando-se novos sistemas de alta definição, poder-se-ia pensar em alterar a cadência de quadros utilizada. Que tal um número diferente, já que não se tem mais as limitações do passado?

Antes de tudo, existe um gigantesco legado, milhares de produções, filmes e vídeos, rodados nas cadências conhecidas de 24, 25, 30 quadros/seg. através das últimas décadas, desde a criação da TV e do cinema. Criar um padrão novo é sinônimo de dor de cabeça: a necessidade de converter todas essas produções, nem sempre com bons resultados, para a nova cadência proposta. Assim é que os novos formatos HD mantém 25qps e 30qps, e que também os projetores digitais nos cinemas funcionam em 24qps. Algo que a tecnologia não conseguiu mudar e que provavelmente conviverá entre nós por muito tempo.