O assunto aqui é a óptica das lentes: veremos como as imagens são formadas e também algumas das características básicas das objetivas. Tudo bem, estará você pensando agora, mas esse assunto é muito complicado, chato, difícil de entender e...

- não, não, espere... não é tão difícil assim! na verdade, você pode entender perfeitamente como essas coisas funcionam, porque elas baseiam-se em conceitos muito simples. Basta entender esses conceitos e pronto!

- como assim?

- bom, vamos em primeiro lugar organizar algumas idéias. A primeira é a que você só vê as coisas no nosso mundo porque elas emitem luz em direção aos seus olhos...

- é verdade, à noite, em um quarto completamente escuro eu não enxergo nada.... (fora os fantasmas) ....

- ...e essa luz que vem em direção aos seus olhos pode ser própria, como a luz do Sol, do fogo e de uma lâmpada acesa ou então refletida, como a que ilumina a página de um jornal e faz com que você a enxergue. A quase totalidade das coisas e pessoas que vemos encaixam-se neste segundo caso, ou seja, refletem a luminosidade que as atinge. Você já deve ter ouvido falar que a luz caminha normalmente em linha reta...

- sim...estou lembrando dos shows de raios laser, com vários riscos coloridos no ar, sempre linhas retas... e também dos raios de luz que saem do projetor na sala de cinema, dá para perceber a mesma coisa...

- muito bem!! Imagine agora um grupo de pessoas conversando, onde uma delas tem um piercing no nariz: várias pessoas ali podem ver o piercing ao mesmo tempo, ou seja, dele saem raios de luz em direção aos olhos de cada uma daquelas pessoas. Na verdade, o piercing recebe luz de inúmeras fontes, que provém tanto diretamente da iluminação local como da luz dessa iluminação refletida a partir de milhares de pontos situados nas paredes, nas roupas e na pele das pessoas, nos móveis, etc... Você pode então pensar no piercing como algo que reflete incontáveis raios de luz em todas as direções...

- e é por isso que todos ali o enxergam...

- sim, e mais do que isso: tudo o que você enxerga à sua volta funciona da mesma maneira. Pode ser menos brilhante do que o piercing, mais opaco, tendendo para uma ou outra cor, mas no fundo é a mesma coisa: qualquer ponto de qualquer objeto ou pessoa, por minúsculo que seja reflete inúmeros raios de luz em todas as direções, e é por isso que os vemos. E agora você está pronto(a) viajar no tempo em direção ao passado, quando um interessante fenômeno intrigava os antigos...

Viagem no tempo

Em um quarto completamente escuro, de dia, havia um minúsculo orifício em uma das paredes. E, na parede oposta...... uma imagem projetada do mundo do lado de fora! Como isso era possível?

- algum projetor de home theater escondido em...

- não, não, essa história passa-se a séculos atrás. Dê uma olhada na parte esquerda da figura abaixo:

Uma árvore (bom.... faça de conta que é uma árvore...) do lado de fora, em frente ao quarto escuro, à esquerda. Observe o orifício na parede A e observe a outra parede, a B, onde a imagem é projetada. Agora vamos ver: um ponto qualquer X no alto da árvore, como vimos, vai emitir raios de luz em todas as direções. Mas (atente para o detalhe!), só pouquíssimos deles conseguem atravessar o pequeno orifício na parede. E o que acontece então?

- se as letras X e Y no desenho não estão trocadas...

- não, não estão...

- ...então a imagem forma-se de cabeça para baixo!

- exatamente é isso o que acontece. Percebeu como foi fácil enxergar o porquê? Esse quarto escuro com o orifício em uma das paredes chama-se Câmara Escura e era familiar para os antigos. Tão familiar que um artista inglês de nome David Hockney apresentou uma tese, em que tenta demonstrar que grandes pintores como Caravaggio, Velázquez, Hanz Holbein, Ingres e outros lançaram mão secretamente desse recurso, para poder fazer marcações em suas telas, explicando assim o grande virtuosismo expressado na representação de perspectivas e sombras em suas obras.

- humm... deve ter criado uma grande polêmica com essa tese....

- certamente... mas os antigos continuaram a pesquisar. Perceberam que a imagem que se formava na parede era um pouco escura e que se tentavam alargar o orifício, adeus nitidez. Ah, mas agora você mesmo pode concluir o que acontecia: veja, orifício maior, significa mais raios de luz daquele ponto X da árvore entrando no quarto e atingindo a parede. Olhe a figura: se mais raios, ao invés de um único, proveniente de X, atingem a parede, a imagem nela ficará parecida com um borrão, não com um ponto. Imagine isso acontecendo para cada ponto X da árvore: a imagem da árvore perde nitidez, definição. Na verdade, o ideal seria que passasse pelo orifício apenas um raio de luz proveniente de cada ponto da árvore. Mas isso é inatingível, além do que os antigos perceberam também que reduzir o orifício escurecia ainda mais a imagem - claro, menos raios de luz entravam por ali. Foi então que entrou em cena... a lente!

A lente entra em cena

- uma lente do tipo das utilizadas em objetivas simples chama-se convergente e faz uma pequena mágica: converge todos os raios que a atingem para um único ponto, situado a certa distância do outro lado dela. Era o que faltava para melhorar grandemente o processo. O orifício podia ser grande: entravam assim muitos raios de luz, e a imagem ficava bem mais luminosa. Nesse orifício grande, bastava encaixar a lente: ela cuidava de convergir todos os raios para um único ponto. Na verdade, se você observar na figura, no desenho da direita, vai perceber que a cada ponto da árvore corresponde um ponto na parede B. Com isso ganha-se também em nitidez. E a imagem continua invertida.

- e isso continua a acontecer até hoje?

- sim, tanto no filme da máquina fotográfica quanto no CCD da câmera de vídeo a imagem é invertida - você não percebe, porque o circuito eletrônico inverte-a novamente. Esse conceito de inversão da imagem às vezes não é muito intuitivo, porque muitos desenhos feitos para explicá-lo não mostram todos os raios de luz que saem de X, apenas um único.

- mas... o que aconteceu com a Câmara Escura?

- os antigos a miniaturizaram, trocando a "câmara" por uma "câmera": surgiu assim a câmera fotográfica, possível de ser montada quando foi inventada a película fotográfica (que no início eram placas de vidro, depois de celulóide, etc...). Mas até hoje existe o hobby da câmera de orifício, basicamente uma caixa de sapato com um filme virgem afixado em uma das paredes internas. No lado oposto, um minúsculo orifício feito com alfinete e tapado com fita adesiva. Instala-se a engenhoca em algum lugar, destapa-se o orifício e após algumas horas tem-se a imagem ali registrada. Aficcionados divulgam suas pinhole images em sites na Internet.

O foco

- com a introdução da lente, surge um problema que não existia antes. Os raios são convergidos para pontos situados na parede B, e esse lugar recebe o nome de plano focal. Use agora sua imaginação e olhe para a figura da direita. O que acontece se a árvore se afasta da lente?

- a árvore se afasta?

- tudo bem, o que acontece se afastamos a câmera da árvore? Imagine a árvore bem longe. Percorra com os dedos a trajetória dos raios que saem do ponto X e perceba que o leque formado pelos raios fica mais fechado. Do outro lado, dentro da câmera, a imagem será formada...bom, "seria" formada atrás da parede B! Para corrigir isso, precisamos afastar a lente da parede, até que a imagem forme-se exatamente sobre a parede (o filme, o CCD). Pronto! Você descobriu como focalizar uma imagem!

- e também que, não fazendo isso a imagem fica borrada, pois a parede B "corta" o leque de raios antes do seu final, ou seja, ao invés de um único ponto teremos vários pontos projetados na parede B.

- muito bem! focalizar uma imagem é aproximar ou afastar a objetiva da câmera do filme/CCD até que a imagem apresente-se com nitidez aceitável. E, com isso, você deve ter percebido que esses conceitos não chegam a ser tão complexos como seria viver em um mundo real de ponta cabeça...