O mundo hoje está passando por uma grande mudança na forma como produzimos e vemos TV: as duas letras "HD", hoje mais do que reproduzidas em todo canto da videoprodução representam meta e realidade para a grande maioria dos profissionais da área. A fase da mudança do analógico para o digital já ficou para trás, junto com suas ilhas de edição lineares e os controladores de edição com suas EDL - Edit Decision List, alguém se lembra delas?

Vivenciamos agora a implantação do High Definition em larga escala, convivendo ainda com diversos sistemas em definição standard, para não falar da maior parte das transmissões de TV, ainda não convertidas para o novo sistema. Mas, seja como for, o que todos temos na mente é aquela imagem em tela larga, com nível incrível de detalhes que enfeita a parte frontal de muitas lojas de aparelhos capazes de reproduzir o HD. Mas... e o som? Também veremos uma revolução em termos de qualidade? Na realidade a qualidade do áudio já era excelente desde a criação do formato Mini-DV, com suas trilhas de sinal sonoro digitalizado sem compressão, o mesmo dos conhecidos CDs. Claro, novos formatos podem trazer mais canais, alguma sofisticação a mais no controle do áudio, mas nada que se compare com uma imagem em alta definição.

No entanto, o problema aqui é outro: a qualidade do áudio, mesmo sendo excelente em termos de potencial de registro, em muitos e muitos casos acaba ficando aquém do que poderia ser. Trata-se de um problema crônico, muito mais ligado a quem opera esses equipamentos do que ao que o sistema consegue entregar ao usuário. O ponto da questão é que os erros na captura ou montagem do áudio em um determinado trabalho são menos notados pelo público do que as falhas na imagem, o que leva muitas vezes a situações onde alguns cuidados básicos acabam sendo negligenciados. Ao som deve ser dada a mesma importância que à imagem: é clássica a comparação que pergunta o que fere mais a sensibilidade do expectador, uma imagem ruim ou um áudio ruim...ou, em outras palavras, o que é mais suportável como erro, ou ainda, o que incomoda menos? Por outro lado, é um prazer ver belas imagens acompanhadas de um som muito bem "afinado" com o trabalho, resultante de um tratamento na fase de captura original ou na fase de pós-produção, muitas vezes em ambas.

Nosso objetivo aqui será lembrar algumas dicas para a fase inicial de captura do som, a que ocorre juntamente com a captura da imagem. E, para começar, devemos lembrar que tudo efetivamente começa muito antes da real captura do áudio: é a fase de pesquisa do local da gravação.

De preferência pelo menos um dia antes da gravação, deve-se ir até o local onde o áudio vai ser capturado e, durante algum tempo, permanecer por lá realizando diversas tarefas pró-ativas. Uma dica valiosa é a concentração: normalmente não ouvimos os diversos sons do cotidiano, que estão ao nosso redor e nosso cérebro se encarrega de "desligá-los", ou melhor, de filtrá-los para nós (ainda bem!)!. É o barulho do motor da geladeira ou do freezer, dos ventiladores e bocais de ar condicionado, zumbidos de reatores de lâmpadas fluorescentes com defeito, pessoas conversando por perto, máquinas trabalhando e uma infinidade de outras possibilidades. A dica, no caso, é fechar os olhos e escutar: pouco a pouco conseguiremos notar diversos ruídos que podem comprometer a captura do áudio. Profissionais conseguem por exemplo detectar o ruído do gerador em externas e solicitar seu deslocamento para um local mais distante.

Esta sugestão não se completa com outra: prestar atenção no calendário das atividades ao redor, ou seja, um domingo tem atividades por perto que um dia útil não tem e vice-versa. A não observância a esta regra pode invalidar a fase de pesquisa do local.

Outra tarefa, após esta, é a de planejamento para evitar a todo custo a improvisação. Pensar na aparelhagem que será utilizada no dia, para registrar o som, claro, quando isto se aplica e não se resume ao próprio microfone da câmera. Mas, mesmo assim, vale a pena pensar em diversas variáveis que podem surgir ou ainda em possibilidades interessantes das quais podemos lançar mão.

Uma dessas situações é quanto se precisa de uma tomada de energia disponível para funcionar algum aparelho auxiliar destinado à nossa captura do som. Por exemplo um mixer: apesar de existirem modelos que trabalham com baterias, muitos deles funcionam somente plugados em tomadas. É bom verificar sempre a voltagem, nunca é demais lembrar, principalmente se o aparelho não for do tipo que se adapta automaticamente à diversas voltagens. A questão da tomada aliás envolve diversos cuidados: proximidade ou não da aparelhagem, necessidade ou não de extensões, distância a ser percorrida, fixação ao solo do cabo de energia em trechos por onde transitam pessoas, tipo de pinagem da tomada (2 pinos, 3 pinos, do tipo chato ou triangular, etc...) e, importante, a certificação de que a energia estará disponível nessa tomada no dia e hora do evento. E ainda: ela será de uso exclusivo seu ou será repartida com alguém mais? Isso sem falar em uma providência inocente, mas que pode causar surpresas desagradáveis: testar a tomada - não se pode confiar em qualquer informação recebida. A tomada pode até existir na parede, mas estar sem fiação alguma ou desativada...

A seguir a questão é: como o som vai ser captado, ou seja, com qual ou quais microfones? Se o registro será efetuado com uma só câmera e o som é muito importante para o trabalho, a pior situação é depender somente do microfone da câmera (ou preso acima dela) quando se tem que ficar distante da fonte sonora a ser registrada, como músicos tocando por exemplo.

Isto não se deve à qualidade do microfone propriamente dito, que nas câmeras atuais é muito boa (microfone tipo condensador) e sim ao seu posicionamento, longe do local onde a ação se desenrola. Mesmo utilizando um microfone do tipo shotgun na câmera, conforme a distância os sons indesejados próximos e ao lado dele podem quase não serem registrados, mas ainda assim a situação não será a ideal. De maneira geral, quanto mais perto a fonte sonora estiver de um microfone, melhor será o som captado. Outro problema: em algumas câmeras, principalmente as mais simples e mesmo em algumas do segmento semi-profissional, ruídos decorrentes de sua operação (motor do zoom por exemplo) podem ser captados. Em determinados modelos até o deslizar dos dedos da mão no controle dos botões pode acabar indo para a trilha sonora, principalmente em momentos de maior silêncio na cena. Assim, para captar com toda clareza o som de uma fonte sonora, o microfone deve estar o mais próximo possível da mesma, o que nem sempre corresponde à melhor posição para a câmera. Isto leva à uma mudança no posicionamento da mesma ou então ao uso de um microfone externo, com ou sem fio.

No primeiro caso, é possível trabalhar bem próximo da fonte sonora, sem grandes problemas. O que poderá ocorrer será uma variação na intensidade do sinal registrado, quando o operador aproximar-se muito da fonte sonora em alguns momentos, e afastar-se em outros. No entanto, o problema poderá ser resolvido na fase de pós-produção, com uma equalização do volume da trilha sonora efetuada no micro durante a edição.

No segundo caso - uso de um microfone com ou sem fio, algumas considerações devem ser feitas. A primeira delas: qual vai ser a origem da captação do som? Ou seja, existirá um cabo (ou transmissão sem fio) conectando a câmera a um microfone na outra ponta, ou esta ponta será plugada na saída de um sistema de som?

Primeira situação: com um microfone na ponta. Aqui, a preocupação é com o monitoramento do áudio gravado, já que a câmera está registrando algo que não está inteiramente sob seu controle, como no caso do próprio microfone do equipamento. Isso leva a uma regra na captação do som, básica e utilizada por qualquer profissional em trabalho sério: a utilização de fones de ouvido conectados à câmera. Aliás, "conectados à câmera" não é um pleonasmo: se entre o microfone e a câmera existirem equipamentos como mixers de áudio e conexões de cabos entre eles, é grande o risco de haver algum problema de conexão pelo caminho ou outro qualquer que afete o sinal de áudio. Assim, conectar o fone de ouvido na saída desse mixer é um erro - o problema poderia estar adiante dele. Com a monitoração feita através dos fones, o microfone pode ser adequadamente posicionado após algumas tentativas (e erros).

Muitas câmeras permitem o controle do volume do som gravado - sempre através da monitoração. Neste caso, é desligada a função AGC (Automatic Gain Control) da câmera, o procedimento automático de ajuste de volume que tenta sempre manter o mesmo volume sonoro, amplificando o sinal do áudio quando necessário.

A entrada de microfone da câmera pode ser do tipo XLR (câmeras profissionais e algumas semi-profissionais) ou do tipo mini-plug estéreo. Se for XLR existirão duas entradas deste tipo na câmera, se for mini-plug por ser estéreo haverá também a entrada de dois sinais, o esquerdo e o direito. No entanto, o mini-plug existente na ponta dos cabos dos microfones é do tipo mono, não estéreo. Isso fará com que, ao ser o microfone conectado à câmera, o som seja igualmente distribuído para os dois canais. Mas é possível utilizar dois microfones conectados a um cabo Y e transmitir este sinal através de um cabo estéreo com mini-plug estéreo na ponta. A sua conexão manterá os dois sinais separados na câmera. No caso das entradas XLR, basta conectar um microfone a cada uma dessas entradas.

Para usar mais do que 2 microfones, entra em cena o mixer acima referido. Aliás, mesmo para dois microfones o mixer pode ser usado, direcionando o sinal para a câmera através de um cabo mono (no caso do mini-plug) ou de um único cabo (diz-se balanceado) no caso do XLR.

Segunda situação: cabo plugado no sistema de som. Neste caso, alguns cuidados devem ser tomados - além, é claro, de obter permissão com o pessoal responsável pela mesa de som para seu uso. Deve ser observado que normalmente o tipo de saída utilizado nas mesas de som é do tipo "linha" (line level) que possui intensidade de voltagem muito maior do que o sinal de microfone (mike level) que a câmera está esperando. Algumas mesas possuem opção de gerar um sinal de saída tanto do tipo line como do tipo mike level. No entanto, como na maioria delas a saída é do tipo line level, se esta saída for conectada na entrada de microfone externo da câmera o resultado será um sinal distorcido. A solução é utilizar um dispositivo chamado atenuador, encontrado em lojas de eletrônica. Este dispositivo, colocado entre o sinal gerado pela mesa a entrada de microfone externo da câmera diminui a voltagem do sinal, de forma a não causar distorção quando o mesmo é registrado pela câmera.

Ali, no local da gravação, após ter pensado sobre possibilidades como essas, ter verificado as condições do momento e do dia efetivo da captura do áudio, ter ouvido atentamente os sons ambientes, poderemos ter a certeza de, se não estivermos livres de imprevistos que sempre acontecem, pelo menos estaremos muito mais seguros na busca da melhor captura do som.