Hoje, onde tudo caminha para o High Definition e além deste, para o cada vez mais popular 3D, paramos para refletir sobre a qualidade visual das nossas antigas imagens em VHS, Betacam SP e DigiBeta, enfim, registradas em um suporte com baixa definição (SD) e o que vemos agora, sobretudo com os novos recursos tecnológicos disponíveis nas novíssimas telas de TV, cada vez mais e mais aprimorados.

O que se mostra de forma clara em uma primeira abordagem é justamente o grande avanço na reprodução dos detalhes de textura e precisão nos contornos das imagens - algo que tem a ver com luminosidade e quantidade de amostras de informação armazenada nos suportes utilizados, fitas magnéticas, discos e de forma cada vez mais presente, cartões de memória.

Mas se esse suporte melhorado de luminosidade e detalhamento nos deixa ver com mais clareza os componentes de um determinado cenário e as nuances de pele dos atores e atrizes, também abre espaço para uma possibilidade bem maior no uso de tonalidades e matizes, antes pouco percebidos, devido justamente à falta de definição. Alie-se a isso a capacidade cada vez melhor de reprodução do registro de cores dos novos televisores e tem-se motivos de sobra para pensar-se em investir mais na arte da utilização de cores em nossos trabalhos.

Um exemplo na questão da utilização de cores é a montagem de um cenário, onde tem-se um ambiente geralmente controlado, permitindo a manipulação das cores ali mostradas. Mas não podemos deixar de lado também outra importante aplicação de cores em vídeo: a da criação de títulos, logos e vinhetas, onde essas cores não estão aplicadas em objetos reais e sim geradas eletronicamente sobre a imagem.

Essa discussão leva a pensar se existe algum fundamento na escolha de uma determinada cor para as letras de um título, ou dos móveis a serem utilizados em alguma cena. Como podem comprovar os cenógrafos, tem muito a ver, quando pensamos no significado emocional das cores ali empregadas; em outras palavras, as cores dizem muito sobre o que se quer transmitir, seja na reprodução de um ambiente de época, seja a um sentimento qualquer que se queira levar ao público.

Mas, de forma mais simples ainda, na maioria das vezes estamos trabalhando com propostas muito menos elaboradas, como a montagem de um pequeno cenário de fundo para gravação de algumas entrevistas - formatando um programa com poucos recursos e com número limitado de edições em um espaço não muito grande. O que colocar ao fundo? Imagens, pinturas, desenhos...que cores usar? Mais importante do que isso, será que existem cores que combinam de forma melhor umas com as outras? Os estudos teóricos sobre cores dizem que sim, e se tivermos uma ferramenta simples para escolher as cores principais desse nosso trabalho, dos títulos e logotipo ao cenário, certamente estaremos veiculando um produto com imagem mais agradável e com maior qualidade profissional. Onde poderíamos encontrar ferramentas assim?

Para responder essa questão vamos voltar no tempo, parando na Alemanha de 1919, na cidade de Weimar, onde estava prestes a ocorrer um importante 'casamento': o do trabalho dos artesãos e artistas das artes aplicadas com o dos artistas das chamadas Belas Artes. Estes, eram considerados superiores àqueles, ao lidarem com a arte pela arte sem se preocuparem com seus resultados práticos. Enquanto o artesão dominava a técnica da produção de objetos úteis, os artistas das Belas Artes produziam trabalhos apenas admirados pela criatividade, sem preocupação alguma além disso. Mas, superando movimentos anteriores que tentaram integrá-las sem sucesso, um arquiteto chamado Walter Gropius criaria nesse ano o que considera-se uma das primeiras escolas de design do mundo, a Bauhaus.

Fruto da união feita por Groupius de duas escolas existentes em Weimar, a de Artes e Ofícios e a de Belas-Artes, a Staatliches Bauhaus, ou Casa Estatal de Construção envolvia especialistas em diversas modalidades, como a fotografia, o teatro, a música, a dança e a pintura, onde seus alunos participavam de diversas pesquisas e experimentações. De suas oficinas saíam protótipos para serem reproduzidos em série pela indústria.

No quadro de professores da revolucionária escola encontravam-se, entre outros, Paul Klee, Josef Albers, Herbert Bayer, Wassily Kandinsky e Johannes Itten. Este último, pintor, escritor e professor suíço, teve importante papel nos primeiros anos da Bauhaus e também foi quem criou uma interessante versão para os chamados disco de cores.

Ao longo da história, vamos encontrar diversas ocasiões em que o homem deteve-se na observação das cores e seus significados, tentando agrupá-las de alguma forma. Uma das primeiras idéias nesse sentido que se tem notícia foi o disco de cores criado por Isaac Newton, para mostrar que todas estavam 'dentro' da cor branca, faziam parte dela, podiam ser separadas e novamente misturadas. Mais tarde, quase 100 anos depois de Sir Isaac, um pesquisador chamado Johann Wolfgang Goethe preocupou-se em associar efeitos psicológicos às cores, trazendo a noção que temos hoje de cores 'fortes', cores 'quentes' e cores 'frias' e criando também um disco de cores.

Itten, observando o trabalho de diversos pintores ao longo dos séculos, percebeu que havia um certo senso comum entre as cores utilizadas por eles. Percebeu que faziam instintivamente diversas combinações harmônicas de cores, sem recorrer aparentemente a nenhuma teoria pré-concebida. Criou então uma teoria para isso e a publicou, em 1961, quando já não vivia mais na Alemanha, tendo emigrado para os EUA, em um livro chamado The Art of Color, The Subjective Experience and Objective Rationale of Color.

Nesse livro Itten discutia diversos aspectos da teoria das cores, desde características estudadas pela Física até o efeito de sua distribuição espacial, passando pelo estudo de sua harmonia e mistura.

Mas o conteúdo mais marcante do livro é sua proposta para um novo disco de cores, criado com base em suas observações desses pintores. O desenho desse disco, mostrado na figura abaixo, foi montado a partir da escolha de 3 cores primárias, o amarelo, o vermelho e o azul.

Um esquema de cores primárias é o que permite a obtenção de qualquer outra cor a partir da combinação, em diferentes proporções, apenas das cores escolhidas. O esquema que usa essas cores escolhidas por Itten como primárias denomina-se color space RYB (abreviações de Red, Yellow e Blue). Existem outros color spaces, como o utilizado em vídeo e existente também no olho humano, onde as cores primárias são o vermelho, verde e azul (RGB).

Itten fez a montagem do disco iniciando pela sua parte interior, criando um triângulo com as 3 cores primárias escolhidas por ele, o amarelo em cima, o azul embaixo à esquerda e o vermelho à sua direita. A seguir, desenhou uma circunferência envolvendo o triângulo e dentro dela, desenhou 3 outros triângulos, de forma a se ter um hexágono inscrito dentro dela. Cada um desses triângulos foi então pintado com a mistura das cores existentes em sua base, ou seja, o triângulo verde obtido a partir da mistura do amarelo com o azul das figuras de sua base, e do mesmo modo o triângulo laranja e o violeta. Estas cores denominam-se cores secundárias. Itten relata em seu livro a dificuldade de se obter a mistura correta, precisa, em se tratando de pigmentos normalmente imperfeitos. Na época, houve grande dificuldade na própria impressão do livro, contendo diversas figuras e trabalhos que deveriam possuir precisão na reprodução, gerando um alto custo - dificuldades mais tarde superadas com o avanço da tecnologia gráfica, em sua edição da década de 70.

Finalmente, em torno da circunferência interna, Itten desenhou outra, maior, dividindo o espaço existente entre as duas em 12 pedaços iguais. Neste anel, as cores primárias e as cores secundárias foram repetidas, a partir do vértice de cada triângulo interno. Restou então entre cada uma dessas cores localizadas no anel, um espaço vazio. Nesses espaços, Itten colocou a mistura de cada uma das cores adjacentes, ou seja, uma primária com uma secundária, criando as cores terciárias. Assim, por exemplo, a mistura amarelo-alaranjado.

Com esse disco de cores, Itten demonstrou o fenômeno conhecido como contraste sucessivo: nosso cérebro cria sempre uma imagem com uma cor diferente quando fixamos a vista durante certo tempo sobre uma determinada cor. Assim, ao olharmos fixamente para uma figura vermelha durante um determinado tempo, se a seguir voltarmos a vista rapidamente para um papel ou parede branca, iremos ver essa mesma figura, no entanto, na cor verde. Ittem mostrou que essas 2 cores formam um par denominado cores complementares e, olhando em seu disco de cores, percebe-se que uma está localizada diametralmente oposta à outra.

Esse foi um dos conceitos mais importantes descobertos por Itten: a busca natural do olho humano pelo complemento de uma determinada cor, ou seja, nossos cérebros são 'programados' para buscar as combinações mais harmônicas. No seu disco, podem-se ver diversos outros pares de cores complementares: o complemento de uma cor qualquer no disco é a que se situa diametralmente oposta à mesma. Não por acaso, aparece a grande utilidade do disco: cores complementares combinam-se sempre muito bem.

Itten mostra que embora as pessoas possuam diferentes julgamentos em relação à harmonia das cores, é possível estabelecer algumas regras que fazem sentido para a quase totalidade das pessoas: algumas cores sempre vão combinar melhor com determinadas cores do que com outras.

E a idéia vai muito além de descobrir qual cor combina muito bem com que cor, entrando no terreno do sentimento que ser quer dar a determinado conjunto de cores, o que, sem dúvida, é parte importante na criação de um produto audiovisual. Desta forma, na montagem de um desenho, um gráfico ou um cenário, novos elementos vão pouco a pouco sendo adicionados. Se as cores desses elementos que estão sendo acrescentados formam pares complementares no disco de cores, todos os elementos do desenho, gráfico ou cenário, ao seu término, serão harmônicos: traduzirão paz, calma. Ao contrário, se as cores forem assimétricas em relação ao disco, os elementos não serão harmônicos: traduzirão agitação, aflição. Em outras palavras, conhecendo-se a técnica da combinação de cores é possível expressar emoções.

O disco permite, como visto, encontrar um par de cores que mais se combinam. Mas, também, permite encontrar um conjunto maior de cores que se harmonizam, como 3 cores ou 4 cores. Assim, para encontrar um grupo de 3 cores harmônicas, deve-se inicialmente escolher uma delas, que será a chave a partir da qual serão procuradas as demais que melhor se combinam com ela. Escolhida a cor, percorrendo-se o anel externo, as cores harmônicas estarão situadas a cada 3 cores saltadas. Por exemplo, escolhendo-se o amarelo, percorrendo o anel da esquerda para a direita, saltam-se o amarelo-laranja, o laranja e o vermelho-laranja, atingindo-se o vermelho. Da mesma forma, seguindo-se o percurso, iremos encontrar o azul. Essas 3 cores, amarelo, vermelho e azul são harmônicas e por coincidência, também as primárias do sistema. Ligando-se suas posições, tem-se um triângulo. Ao "rodar" esse triângulo, iremos sempre encontrar grupos de 3 cores que sem combinam.

Processo análogo pode ser feito para um grupo de 4 cores, aqui saltando 2 ao invés de 3 cores do anel externo e formando um quadrado ao invés de um triângulo imaginário. Existem à venda discos de cores formados por círculos de plástico ou cartão sobrepostos e deslizantes, que podem ser ajustados para permitir a visualização dos vértices do triângulo e do quadrado anteriormente mencionados, além de outros recursos adicionais, como o que se vê na figura abaixo:

Outra função do disco de cores é permitir encontrar cores que apresentam maior contraste e cores que apresentam menor contraste: as adjacentes, no anel externo, chamadas similares, apresentam menor contraste e as complementares, o maior contraste.

Existem discos criados a partir desse disco de Itten com uma quantidade maior de tonalidades, embora o próprio Itten considerasse em seu livro de pouca utilidade prática um colorista criar um disco de 24 ou 100 cores, pois, como exemplificou, as pessoas teriam grande dificuldade de encontrar determinada cor em um objeto e associá-la por exemplo à cor de número 83 no disco. No entanto algumas décadas mais tarde os computadores vieram facilitar esse trabalho e hoje existem softwares que permitem realizar trabalhos com o modelo RYB, além de programas tradicionais de manipulação de imagens, como o Adobe Photoshop e o Adobe After Effects por exemplo).

O recurso do disco de cores é, ainda hoje, precioso auxiliar na montagem de painéis, cenários e na escolha de cores para títulos e gráficos na apresentação da tela da TV. Nós, artistas digitais do mundo moderno, fazemos nossos vídeos e nossos logos e outras imagens gráficas trabalhando com um modelo de cor, o RGB e computadores onde mais de 16 milhões de tonalidades de cores estão à nossa disposição. E com o auxílio da técnica aqui apresentada poderemos valorizar ainda mais esse trabalho, apoiados em um conceito utilizado através dos séculos pelos pintores mais famosos do mundo.